quinta-feira, 9 de julho de 2009

É com grande atrevimento e não sem presunção que os desculpo pela audácia de lançar ao mula manque este casalzinho de poesias latinas, coruscantes e preciosíssimas péro-líricas. Pois, hoje em dia, o que nos vêm à tona quando pensamos em poesia antiga? À grosso modo, dos recém-antigos: Bilac, Garret, Castro Alves, Cesário Verde etc. Dos semi-antigos: os louváveis Cervantes e Camões, depois os cancioneiros, trovadores, provençais e... “pluft”, aos não debruçados no assunto. Sendo assim, vai aqui uma pequena amostrinha da poética de Marcial e Catulo, respectivamente. Dois poetas romanos em gênero e época distintos. O primeiro da segunda metade do século I d.c, escreveu vários livros de epigramas e ficou célebre pela acidez e ironia de seus versos. O segundo, poeta lírico, Veronense da última metade do século I a.c, é considerado como um dos que mais inovaram a poesia até então produzida.

Há ainda, uma escassa prole de leitores, cabisbaixos e acuados aspirantes à literatos nos corredores sombrios das universidades, último reduto onde ainda são lidos, e onde aprendem a cultivar ,por prazer ou ofício, o verso latino. Eis então meus esboços de tradução, de fato, trabalhosa, porém muito deleitosa, e espero move-los de alguma forma, com esse sumo claudicante e jujurássico implorando difusão, bom apetite!



9.81


Lector et auditor nostros probat, Aule, libellos,

Sed quidam exactos esse poeta negat

Non nimiu curo: nam cenae fercula nostrae

Malim conuius quam placuisse cocis.

Martialis


Leitor e ouvinte aprovam, Aulo, nossos livrinhos

Mas certamente o poeta nega que sejam bons

Não me importa: pois que o prato de nossas ceias

Antes agrade aos convivas que os cozinheiros.

Marcial



XIII


Cenabis bene,mi Fabulle, apud me

paucis, si tibi di favent, diebus,

si tecum attuleris bonan atque magnam

cenam, non sine candida puella

et vino et sale et omnibus cachinnis.

Haec si, inquam attuleris, venuste noster,

cenabis bene ; nam tui Catulli

plenus sacculus est aranearum.

Sed contra accipies meros amores,

seu quid suavius elegantiusque est:

nam unguentum dabo, quod meae puellae

donarunt Veneres cupidinesque;

quod tu cum olfacies, deos rogabis

totum ut te faciant, Fabulle, nasum.

Catullus


Jantarás bem, Fábulo, junto a mim

se à ti os deuses ajudarem

se contigo trouxeres grande e boa ceia,

não sem afável menina,

vinho, graças, e toda sorte de risadas.

Isso, digo, se trouxeres nosso humor,

jantarás bem, pois teu Catulo

tem os bolsos cheios de teias de aranha.

Tu em troca aceitarás meros amores,

e o que tem de mais suave e elegante:

pois um perfume te darei, que minhas meninas

doaram aos encantos e aos cupidos;

e que tu, ao cheirar, rogará aos deuses

que o transformem,Ó Fábulo, num só nariz.

Catulo


Raton

quarta-feira, 8 de julho de 2009

o caso do jovem da província de T.



O relato a seguir não narra com precisão o exato fato tal como ocorrido naquela tarde de 1835, na província de T. Inadvertidamente, muito do que foi registrado advém de lembranças pessoais dos personagens então presentes na ocasião. O conjunto de arquivos ainda é vítima todas as minhas impressões que ficaram de outrora, coartada pelo fato de meu juízo ainda jovem, moldada pelas opiniões alheias dos adultos de minha época.

Mas vamos ao fato:

"Foi conhecida a história na província do jovem estrangeiro, de pais portadores de modos pouco ortodoxos, que chegara à pouco e já demonstrava sinais de falta de adaptação, desencaixe nos costumes da província em geral e enfim, sofria precocemente dum isolamento afetivo social. Ainda que considerados sintomas normais a um completo estranho em terras estrangeiras, notava-se um atraso em relação à sua sociabilidade, e assim, mesmo com o tempo, não se atenuou a taciturnidade de tal. O mesmo, tomando o caminho contrário da adaptação, isolava-se cada vez mais, e poucas vezes era visto em exercício de cidadania.

Por isso mesmo talvez tais relatos de tal época sejam tão apagados e tão imprecisos, denotando uma delgadeza prejudicial em seus detalhes.

Das últimas vezes que se viu o jovem em público foi ao acaso, sempre caminhando pelas voltas da hora do crepúsculo, e na maioria das ocasiões, fora dos limites da cidade, ora sozinho, ora acompanhado do pai. Mas o famigerado acontecimento, este diz respeito à sua derradeira aparição. Às mesmas horas do pôr-do-sol do dia tal, ouviu-se da sua casa - que não era simples, e talvez por isso mesmo fizesse reverberar o som, ecoando além do quarteirão - certo berreiro intempestivo, do jovem sozinho. Seguindo-se uma breve quietude. O jovem então, como que tomado além de seu controle, saiu às ruas dum carreirão, tinha os vasos pulsantes e suava muito. Ao final da rua, talvez pela saúde frágil - depois viemos a saber - talvez esgotado pela cólera, fazendo-se perder as forças e o ânimo, caiu. Sujou-se e machucou-se muito. Como que julgado pelo fito da vizinhança, seu pai, traçou seu caminho até o corpo do filho desfalecido, e arfante imputou-se em trazê-lo de volta ao lar.

Foi este fato que nos pôs, a todos nós, atentos à condição médica do garoto. Sabia-se que falava muito e desordenadamente. Também era capaz de atravessar dias sem alimento. Soube-se também que em sua minguância, em especial, nunca lhe faltou o afeto e a atenção diligente que provinha dos pais. E que a probabilidade da recíproca verdadeira também é grande, ainda que o filho fosse incapaz de comunicar-se com clareza. Sua crise veio, surpreendentemente, no alvorecer do dia tal. Durante a noite, urinara na cama, e finalmente, vítima dum sofrimento incessante e profundo, confessou-se esgotado pela dor e faleceu.

Foi lembrado com respeito e por muito tempo por sua feição sábia e seus traços fortes, que eram responsáveis por transmitir um caráter digno e cálido, inda que emudecesse por vezes, e não soubesse que tipo de inquietação pudesse se passar em seu interior."

Acabam aqui as poucas lembranças restantes do fato e da época.




Rogê