quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Propércio
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Felino
Rogê
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Vielas Dramatúrgicas
A Cia. Dos Atores apresenta sua nova montagem em repertório: Devassa. A peça apóia-se no texto literário para a criação – no caso específico A Caixa de Pandora, do dramaturgo alemão Frank Wedekind -, e, ademais da constante polêmica a respeito da interferência e peso do papel do texto literário na criação teatral, o espetáculo consagra-se na benesse extraída da apropriação dos conteúdos tratados.
A importância texto literário para a criação teatral é posta em cheque já na primeira metade do século passado, quando o poder do ritual físico da encenação passa a ser reivindicado como particularidade única e capacidade exclusiva das artes cênicas. Após muitos escorregões, patinadas e revolteios, tais reivindicações se efetivam quando Hans Thies Lehmann faz um levantamento geral das tendências cênicas contemporâneas e abraça em seu arcabouço estético as práticas consagradas do novo tempo que ele denomina de Teatro Pós-Dramático. Aliás, não à toa, Lehmann é discípulo de Peter Szondi, mesmo geniozinho responsável pelos dois abarcamentos anteriores que definiram os moldes e trilhos pelo qual o teatro vem serpenteando desde sempre – A Teoria do Drama Burguês e a Teoria do Drama Moderno.
Ora, o pós-drama, como se deveria saber sem tantos mal entendidos, não exclui o texto da encenação. Apenas julga agora insuficiente sua posição canônica e seus moldes aristotélicos para a competência da cena. Podemos notar nisto o fenômeno sintomático da própria escolha do termo: pós-drama não só não exclui o drama, como toma o mesmo como referência central.
A Cia dos Atores sabe o que está fazendo. Peças anteriores como Melodrama, “resultado de dois anos de pesquisa, se dedica a apresentar um panorama do gênero melodramático como referência cultural, com situações turbulentas e diálogos pomposos”. Ora, após florear e esmiuçar o romance de folhetim, é por acaso que o título escolhido para a nova peça “Devassa”, seja justamente um arquétipo desse tipo de drama?
Durante os rijos anos da ditadura, época chave para a disseminação de tal tipo de romance, a “devassa” era tipo comum e sempre presente, mulher dominadora de homens, típica prostituta, que, por sua conduta tida como desviada e viciosa era posta de fora da moral burguesa, não sendo sequer barrada no crivo opressor dos censores. Já era uma entidade perdida (diferentemente da “amante”, que, na sua condição de mulher de família e ameaça de alta periculosidade da instituição familiar em si, embora análoga à “devassa”, era excluída sem mesura pelo risco oferecido à casa da burguesia classe-média).
Mas retomemos: tendo a dramaturgia como alicerce principal, Devassa se articula aos poucos em nossas mentes. Vagando pelos meandrinhos enigmáticos da dramaturgia esfacelada, apresenta-nos cacos de situações incipientes e um quadro geral nebuloso que, aos passos cautelosos, conseguimos penetrar à turva e remontar por nesgas com um pequeno esforço de pensamento.
Contudo, não é no êxito da manipulação dramatúrgica que se dá o bom resultado da peça, senão em toda a execução. O espetáculo não é radical e segue mais ou menos por caminhos já trilhados anteriormente nas artes cênicas. Isso não é um problema, perambular por paradigmas já estabelecidos é por muitas vezes mais prazeroso que arriscados experimentos mal sucedidos. A conjugação entre um trabalho de ator robusto, a perspectiva do tema que não é superficial e uma coordenação diretiva eficaz traduz o trabalho bem realizado.
A apropriação é uma palavra chave desta cia. consagrada de atores experientes. O domínio intelectual do tema – outro sintoma, o programa da peça discorre livre e amplamente sobre o tema geral da peça moral/gênero/sexualidade - não transforma a peça num desenrolar de cerimônia sisuda para o deleite cabeçudo da massa intelectual pensante, senão a faz vagar com liberdade sobre a elaboração da peça, pondo em prática um exercício eficaz de criação coletiva, onde cada pessoa pode contribuir para o levantamento da cena, transferindo toda a responsabilidade - antigamente exclusiva do texto - para a lógica interna e para uma coerência que depende exclusivamente da própria montagem em si.
Rogê
quarta-feira, 16 de março de 2011
Tratado adjetívico a favor dos imbróglios ciceroneantes na era das redes sociais
Todo este premeditado circunlóquio, serve-nos portanto, para que possamos demonstrar, para o bem do livre dissertar, nossas opiniões devidamente desatadas de um modelo pré-concebido e imposto pelos meios virtuais e como forma de repúdio às novas diretrizes almejadas pela estilística castradora do direito lexical.
É conhecimento de todos a existência de uma entidade sagrada que tacitamente encurrala nossos anseios criativos, pronta para arrebatar-lhas à coleiras sufocantes, atando-as a uma corrente indelével de pouquíssimos elos. Assim limitam nosso direito de livre acesso ao picadeiro da linguagem, objetando e fazendo-nos aplicar frias sentenças ao sermos condicionados a eliminar a verve significativa do verbo. Irmãos, saibamos, a palavra tem vida própria, e ao contrário do que imaginamos, admitamos pois, e de uma vez por todas, que a existência delas muitas vezes é tão mais representativa que a nossa. No entanto, o homem parece desprezar o caráter expressivo que delas emana e que nós mesmos por termos sido adestrados feito bestas de circo, acabamos ignorando-as de maneira insensível, desnaturada. Doravante, fazemos aqui um grave apelo a todos que convivem com ela sem dela dedicar-lhes merecida atenção: ouvi as palavras, perguntai a respeito de sua procedência, peçam-lha que conte a estória de suas antepassadas e se possível, desnudem-na como fazem com seus namorados ou namoradas, pois os recônditos da palavra também reclamam sua exploração em benefício delas mesmas sem tirar-lhes o direito ao gozo. Palavras não são frígidas, pelo contrário, são até muito folgosas, cabe a nós o saber acariciá-las da maneira que lhes convém. Notamos quase sempre que algumas delas têm o ar distraído, às vezes obtuso; como no caso das mais altivas, estas que passam ao nosso lado sem insinuação alguma, sem aquela olhadela providencial, sem o rabo de olho tão provocador das nossas maiores curiosidades. Todavia, à maneira das flores que se guardam durante determinadas estações, assim também se comportam as palavras. Elas, muitas vezes estão reclusas em sua condição semântica vigente. Assim como nós, que nos dissimulamos através de vestimentas, máscaras, maquiagens e et coetera (acabo de tirar o fraque do tímido e acanhado Etc), elas também se utilizam de análogos artifícios a fim de ludibriar-nos em sua natureza sazonal; portanto, nada mais salutar e revelador que nos aproximemos delas com ares galanteadores. A partir da trova, há a entrega e a suposta exibição da menina. E como num desfolhar outonal, a palavra se despe pétala por pétala, camada por camada; sede pois maliciosos e imaginai o striptease; se literato, imaginai as epifanias que se desdobram de suas exuberantes formas! A palavra meus caros, ao contrário do homem, é muito mais duradoura e não perece pelo câncer; humanos são trogloditas e fazem muitas coisas feias, repudiantes até mesmo para os mais insensíveis dos acéfalos.
Tudo isso dizemos para que fique bem claro a atual condição da nossa pobre expressividade léxica. Usamos com espontaneidade os braços e as mãos, e quando a feição toma forma em determinada emoção, também ela nos ajuda a obter com ressalvas a expressão desejada. No entanto, quando temos de transferir nossos mimos para o campo da escrita, sucumbimos pela anemia verbal, e toda potencialidade léxica se definha, porque desaprendemos a arte do bem guia-las em prol do dinamismo de nossas vidinhas. Vidinha sim porque a internet tomou nossas melhores horas; vidinha sim pois já não podemos dizer te amo às pessoas que amamos porque elas usam fones de ouvido o tempo todo. Por isso, órfãos, alguns buscam exílio nas diversões eletrônicas, outros preferem fruir com os grandes espetáculos populares, e uma minoria encontra na palavra o afago e o lenitivo pra solidão e o imenso vazio que nos atordoa e nos põe assim, meio macambúzio e mansos de vontade no manquitolar dos dias.
Comumente as palavras não atuam como ícones do cinema – mas que desde já saibamos - , elas juntas também podem formar pares tão ou mais belos quanto Marcelo Mastroianni e Greta Garbo. No entanto, nosso pós-mergulho suicida na era do control+C control+V parece ter deixado irremediáveis pústulas nos lombos já acicatados da linguagem. Infelizmente, notamos certa e ululante tendência ao resfriamento lexical. Outrora até mesmo os mais levianos jornalistas sabiam muito bem a receita, temperavam-na com aromáticas locuções, refogavam com o verbo os mais saborosos adjetivos a fim de se obter um texto saboroso e requintado. Uma simples folheada pela extinta revista O Cruzeiro se comparada com a atual e refugosa Veja, nos dará uma idéia do quanto estamos chafurdando num nível raso de estilo. Tudo isso se deu quando um belo dia o editor chefe, ao deparar-se com a destreza de seu estagiário no manuseio do texto, movido pela inveja, saraivou o despretencioso manuscrito com pinceladas polonescas de caneta vermelha. Não satisfeito, redigiu o primeiro de muitos que se seguiram e do que se convencionou denominar "manual do estilo jornalístico", mas que também poderia ser Manoel do estilo jornalístico, pois o reverendíssimo autor da poda levava este nome como alcunha pejorativa, um talzinho zé mané. E todos passaram a emular Manuel, outras grandes casas editoriais passaram a redigir seus respectivos manuais de estilo, e nas reuniões de pauta preconizavam a concisão e bradavam em alto e bom som, “Queremos um texto que produza tal efeito que o leitor não poderá distinguir um jornalista de outro, queremos um texto com a marca da nossa empresa, e não um amontoado de frases que servem apenas para deleite de poucos. Para os que querem floreios e sinedoques, Olavo Bilac neles!!!”.
Por conseguinte, somos os maiores entusiastas da verborragia, e ao contrário do que se possa imaginar, não temos ínfulas de Castro Alves, tampouco transamos com o estilo truncado das traduções de Barreto Feio da Eneida e da Odisséia. Queremos apenas um décimo do léxico desvairado de um Mário de Andrade no ápice de sua verve poética; meio décimo de um Baudelaire extasiado pelo ópio e três quartos da singeleza adjetívica de um Jorge Ben quando morador da rua Otacílio Alves no bairro de Jacarepaguá. Sabemos muito bem os desdobramentos semânticos pejorativos do conceito verborrágico decorrentes das vanguardinhas modernas, mas não economizaremos esforços (nem palavras!) para que se faça entender o que realmente pensamos a respeito do texto jorrando confetes e, por meio de tratados súplicas e votos defenderemos com afinco a acepção do conceito que ela engloba e nos apraz. Isto é, a verborragia como sendo apenas uma forma de estilo que não preconiza a concisão, a planura e a aridez no modus scribendi fazendo a intermediação entre o sentimento e a expressão. A verborragia é somente o discurso amigo dos rodeios, dos floreios, da dupla adjetivação. Seu desmoderado uso, não necessariamente concede aos argumentos discursivos crédito e veracidade, tampouco atua em prol da finalidade com a qual escrevemos.
Mormente, como no presente tratado, a verborragia pode até driblar o leitor no que concerne a reta compreensão textual. No entanto, devemos antes de tudo recordar a tríade aristotélica com respeito à finalidade literária contidas na Arte Poética; essa bula caduca de preceitos que ainda nos cativa, aonde o deleite vem acomodar-se placidamente ao lado dos alvoroçados comover e ensinar. O deleite, meus exíguos dois ou três leitores, quando saltita no texto, é despretensioso e crédulo, mora na choupana e vez ou outra toca na flauta de osso macias melodias para o bem de nossa nutrição auricular. Seus vizinhos têm ganância, cortejam a nobreza, e quando se deparam com algum jovem efusivo, blasfemam absurdidades, batem o pé bradando velharias e desconfiados se encerram em seus palacetes já ruídos pela ação dos tempos. Assim sendo, a verborragia tem como seu maior escudeiro o deleite, que por sua natureza pueril, ensina e comove num sem querer querendo sadio, muito diferente dos textos jornalísticos e das redes sociais. Por isso escrevemos norteados pelo verbo em hemorragia aguda, às vezes compomos sem nenhuma pretensão outra que não seja o deleitar através dos vocábulos. É escrever fazendo simples escolhas, mas sempre motivados pelo cunho lascivo e viscoso da cuja. É como saboreá-las lambendo a embalagem. Um exemplo, e em língua estrangeira para não sermos acusados de ufanismo lusófono; se temos de optar entre mot e parole, é claro que optaremos sem obtemperar pela segunda, porque mot é murcha, já foi esbelta, ao passo que parole brilha mais, tem mais visco; ainda que nossa sentença venha sofrer mudança significativa, seguiremos coquetes e tendenciosos em nossa pequena eleição. Tudo isso porque as palavras foram nossas maiores invenções, e não queremos em nenhuma instância despreza-las quando somos movidos a isto pela linguagem dinâmica e frouxa de nosso tempo; nem também pela ditadura lexical gerida pelas redes sociais. Como jovens punk's se expressam quando revoltados por tal ou qual atitude burguesa, diremos sempre NÃO! a toda forma lisa e estável das veredas estilísticas. Queremos a palavra no centro do palco, dando magníficas piruetas; exibindo-se livremente; rebolando e descendo até o chão, e nem é preciso tanto carnaval para que assim se suceda. Ela, meus caros, ela é que deve ser a estrela, a diva. No entanto, caros irmãos, o que é que estão fazendo conosco quando limitam nossa ejaculação verbal em quatrocentos e vinte caracteres? Esta é a postura adotada pelo facebook. Quando nos sentimos livres e desatados a expressar opinião ou queixa nesta rede que a cada dia recebe milhares e milhares de novos adeptos, quando estamos no auge da empolgação narrativa e acabamos ultrapassando o número insuficiente que eles nos dão de lambuja, o que é que estão fazendo senão forçando-nos a cometer uma violência crassa? Assim agem os impiedosos provocadores do nosso coito interrompido. A partir do texto excedido, donde as palavras são censuradas, por desejo de expressar-nos, somos incitados a eliminar cada vocabulinho, por mais ínfimo que seja, e limpar nosso texto de qualquer espécie de ornato. Oras bolas, adeptos que somos das coruscantes pepitas dos bons vocábulos, nos sentimos profundamente ultrajados pela chicana deste faceiro artifício. Qual não foi nossa surpresa quando ao lermos um belo poema, na tentativa de coletivizar a maravilhótima experiência que a literapura nos proporciona e sempre nos proporcionará, fomos impedidos de publicá-lo em sua natureza íntegra por ter ultrapassado os quatrocentos e vinte caracteres, sem mais nem menos, sem nenhuma flexibilidade segundo o teor do conteúdo... Pestes! Malditos! Salafrários! Imerecedores da casca de amendoim jogada por nós aos macacos boçais!... A própria definição da poesia não pode ser entendida sem o primordial e imprescindível preceito de sua insubtralidade. Cada verso é o mais importante, precisa ser dito para o não comprometimento de seu total esplendor. Mas não, vêm uns grandes trogloditas e resolvem despachar chulas premissas para o dinamicíssimo funcionamento do site. Nem maníaco do parque, nem bandido da luz vermelha, nem soldado em trincheira nenhuma foi mais brutal e assassino do verbo que as redes sociais. Ora, forjar o engenho do livre discurso em cento e quarenta caracteres em prol da coesão, da concisão e da discriminação lexical, feito uma morsa condensadora de lixo, é um abuso que maior não houve - disse-nos certa vez um amigo marceneiro versado nas letras. Querem com isso manipular as vias do pensamento, o qual, dado o crescente encerramento da população em seus lares providos de computador e internet, é condicionado pelas redes sociais, assim os twiteiros são obrigados a resumirem o mundo em cento e quarenta caracteres para o bem de seus egos megalômanos. Isso não é justo!
O encurralamento da expressão em jaulinhas, curiosamente deu origem a um singular fenômeno lingüístico que até então antes não ousara desvelar-se: A totalização do exprimir-se polissêmico em quatro palavretas. Sejamos mais claros, atualmente difundiu-se o uso, apreciado e utilizado por muitos das insossas: bee, aloca, ahasou e bapho! Como se nós mesmos, e não os computadores, fossemos os contaminados por Spam’s. Interjeições, respostas, comentários, nada foge ao abarcar destas malditas. Vejam irmãos, donde beira a pachorra em tempos de jogadores de futebol usando moicano e Justin Bieber’s provocando taquicardia em três quartos do mundo pré-adolescente. Oi, tudo bem?! Beijos me liga.
Com o embrutecimento lexical, a linguagem retrocedeu a um estágio rudimentar, voltou a ser pedra, fria, disforme, por vezes, ilapidável. As mais novas entradas do dicionário subsidiam a carência da expressividade requerida pela insaciável tecnologia enquanto as coruscantes pepitas dos bons vocábulos sofrem o desprezo e o olvido das redes sociais e da linguagem aplacada pelo estritamente necessário. Até mesmo a literatura sofre com tal processo. Admitimos sim, e com toda certeza, que com o advento da pós-modernidade ela precisou recauchutar-se, vestir novas tendências baseadas em estações passadas. Sobretudo no que se refere às novas temáticas, ela de maneira muito interessante fintou os que proclamavam a extinção do romance, o fim do sujeito e todas as bulhufas que alguns nobres intelectuais disseram no auge de sua exaltação geniosa. Contudo, o eco das premissas solapadas pelo modernismo ainda se fazem escutar nas vísceras do estilismo literário. As marcas de um estilo original dissolvem-se no trato da prosa com que os mais notáveis escritores contemporâneos escrevem. A literatura, ainda que claudique, continua surpreendendo a muitos, mas os traços qualitativos que as predicam se encontram num processo migratório, ou seja, das vérgeis campinas expressivas para as ziguezagueantes coxilhas temáticas. Não somos afeitos ao desprezo das vírgulas, elas também são legais (não tão cool quanto as dores fractais em contrações involuntárias que turvam o já lusco-fusco subjetivismo do protagonista) e podem também serem usadas sem moderação para dar a cadência sincopada em determinado romance. Não necessariamente temos de compor em tempos e sentenças de mesma duração a fim de emular o tédio e a angústia que se apoderam do espírito contemporâneo, para isso já temos o embrutecimento lexical e as palavras em estado de dicionário, severamente trajadas com as camisas de força de suas acepções primeiras. As literaturas, assim como outras esferas da arte, inevitavelmente recebem as influências do progresso tecnológico, principalmente do mundo conectado em redes, assim sendo, obviamente inermes não sairão de tal processo; mas que fique bem claro que há medidas harmônicas em tudo, logo, devemos ter parcimônia, se a partir de alguns anos todos os que possuem alguma espécie de labor no trato das palavras receberem a influência desta carga virtual além da medida, tudo se transformará em hipertexto, micro-conto, mensagens criptografadas e sentenças de cento e quarenta ou quatrocentos e vinte caracteres tão ou mais concisas quanto os epigramas de Marcial; e nós, mestre sala e porta bandeira da verborragia, muito padeceremos de desditosa causa, e sofreremos muito, pois se já sofremos hoje amanhã não deverá ser diferente.
Por fim, que fique bem claro. Este tratado, meus caros, não foi escrito e destinado a prescrever feito bula nossa maneira de se expressar, e não tem, absolutamente, nenhuma aspiração à manifesto. Só estamos advertindo algo que pressentimos e nossas afirmações mais convincentes são apenas elucubrações juvenis, brejeiras. Portanto, tudo que aqui lhes agradarem não será por conseqüência uma bronca materna ao desprezo do chinelo e do abrigo, nem máximas morais que às vezes recebemos como forma de ofensa. Tudo que aqui lhes agradarem será apenas sugestão amistosa de quem gosta preza e ama os bons vocábulos, de quem se sente míope e tristonho ao ler contratos, e de quem sempre recorrerá às palavras afim de extrair o sumo lírico-jocoso tão mais saudável e saboroso que iogurte actívia!
Raton
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
O Arquivo Tatsumi Hijikata
Entrevista publicada em http://performingarts.jp/E/art_interview/1.html
Traduzido por Roger Valença
Hoje, o "Arquivo Tatsumi Hijikata” do Centro de Pesquisa de Artes e Administração Artística da Universidade de Keio em Tóquio coletou um arquivo definitivo dos materiais de Hijikata e sua arte. O arquivo se instarou em 1998 com um centro de materiais da coleção do estúdio de Hijikata, o Asbestos Studio. Nesta entrevista, um dos iniciadores do movimento para criar este arquivo, o crítico de dança Tatsuro Ishii, conversa com Takashi Morishita, a pessoa responsável pelo arquivo, sobre seu conteúdo e sobre como é utilizado. (entrevistador: Tatsuro Ishii)
I: Yameru Maihime é considerada a bíblia do Butoh de Hijikata hoje em dia. Escrita num estilo literário único, explora as memórias de sua infância em Tohoku e contêm muitas expressões que fornecem descrições sucintas de imagens físicas do corpo. Com seu dialeto regional particular existem muitas passagens que são difíceis de entender para a maioria dos japoneses. Por exemplo, uma passagem diz “Pensando que seria boa a morte de alguém, eu engatinho sob o alpendre, e, com certeza, como se alguém houvesse morrido, há uma aranha tecendo a teia no escuro”. É realmente supreendente aprender que este tipo de passagem foi ditada e não escrita. Eu gostaria de continuar agora com nosso tema principal, o Arquivo Tatsumi Hijikata. Como eu fui uma das pessoas envolvidas com sua fundação, eu vou complementar com algumas informações adicionais. Os materiais que formaram o núcleo original do Arquivo foram os materiais do "Arquivo Memorial Tatsumi Hijikata", no qual a Sra. Motofuji usou de seu próprio acervo para compilar, logo após a morte de Hijikata, não foi?
I: Quem eram algumas das pessoas envolvidas com o comitê de direção?
I: Na época já existiam diversos arquivos já instituídos no Centro de Artes da Universidade Keio. Eu fui até a Sra. Motofuji e perguntei à ela se cooperaria conosco se fizéssemos um arquivo Tatsumi Hijikata. Ela imediatamente me deu uma resposta positiva, então, em 1997 eu fui discutir a possibilidade com o diretor assistente do centro de Artes na época, Fujio Maeda, e um membro da equipe, Tomoko Kusuhara. Ambos disseram que gostariam muito de ver um arquivo assim fundado, então, logo após, nós entramos no estágio de reparação. Os problemas que emergiram imediatamente foram o que adotar como os princípios para o arquivo digital e que sistemas isto envolveria.
I: Você pode nos contar a respeito do atual conteúdo do material coletado e preservado no arquivo?
I: E quanto aos materiais de 1940 e 50, antes que Tatsumi Hijikata se tornasse vastamente conhecido?
I: Existe algum texto remanescente que Hijikata escreveu ele mesmo? Há algo como notas de palco ou diários?
M: No meio das anotações, existem algumas ainda não arquivadas que pertencem à Sra. Motofuji e que aparentam ser um limitado número de anotações que foram aparentemente de processos criativos que não foram publicados ainda. Os materiais mais importantes no papel são a série de partituras que vieram a ser conhecidas coletivamente mais tarde como Butoh-fu. As partituras Butoh-fu que restaram no Estúdio Asbestos após a morte de Hijikata estão agora na coleção do nosso Arquivo Hijikata e eu acredito que existem algumas notas importantes em posse dos dançarinos principais do estúdio como Yoko Ashikawa e outros aprendizes de Hijikata.
I: As partituras Butoh-fu são muito importantes para explorar as origens e os princípios originais do Butoh de Hijikata. Entretanto, é muito diferente do que é conhecido como notação de dança no Ocidente, como por exemplo a Labanotation, de Rudolf Laban. As partituras Butoh-fu são únicas neste sentido.
M: No “Butoh-fu no Butoh” (Butoh de partituras Butoh-fu) de Hijikata , são dados nomes a todos os movimentos. Em outras palavras é um tipo de codificação. E se você colocar estes movimentos juntos se torna um trabalho de Butoh. Este era o método de trabalho de Hijikata conhecido como “Butoh de Butoh-fu”. Portanto, não há nada que possa ser chamado de script de espetáculo. Tudo o que restou do Butoh de Hijikata são os textos conhecidos como “Butoh-fu”. Assim como o Butoh-fu, existem cadernos nos quais nos quais Hijikata colou figuras e pinturas cortadas de livros de pintura ou revistas de arte e escrevia notas a respeito de como essas pinturas poderiam fornecem princípios para novas formas de movimento, assim fazendo pinturas uma fonte de recursos para o movimento. Nestas páginas nós podemos ver suas notas para nomes de diferentes movimentos ou notas sobre qual parte dos recortes eram para ser usadas e de que forma, assim como notas sobre que tipo de figurino seriam utilizados. Existem também alguns Butoh-fu feitos em grandes pedaços de papel e outros escritos em pequenos recortes de papel. Dos vários Butoh-fu, os mais claros são aqueles que dizem respeito as notas registradas pelos estudantes do que o Hijikata dizia nos ensaios. Esses registravam os nomes de movimentos e notas a respeito da movimentação de que eram consistidos ou expressões poéticas ou metafóricas e palavras que inspiravam as imagens usadas. Independentemente do que eram consistidos, os “Butoh-fu” são materiais muito importantes para mostrar o processo criativo e a metodologia de Hijikata. Eles são muito interessantes de serem lidos atualmente e certamente são uma fonte essencial para a pesquisa da arte do Butoh de Hijikata. Existem alguns estudantes estrangeiros que escreveram suas teses de doutorados sobre os Butoh-fu.
I: Eu acredito que dar nome a cada movimento individual para que os dançarinos pudessem recriar os movimentos de um trabalho usando o Butoh-fu foi certamente um método revolucionário adotado pelo Butoh de Hijikata nos anos 70, mas ler (decifrar) o Butoh-fu é muito difícil. Não é o tipo de anotação que qualquer um poderia aprender para recriar, a partir disso, a movimentação com a prática, é?
M: Você está certo, não é. Existem alguns casos como para a peça "Nadare-Ame" em "Shiki no tame no niju-nana ban" onde existe um caderno inteiro escrito para uma peça, mas a maioria são apenas anotações registradas de idéias ou imagens que Hijikata tinha em sua mente. Embora possa ser chamado de um tipo de notação, não podemos especificar tipos de movimento dos textos do Butoh-fu que não são nada além do que uma coleção de expressões codificadas. Todavia, os aprendizes de Hijikata são capazes de recriar movimentos de nomes escritos lá. Por exemplo, no caso de Yukio Waguri, foram ensinados a ele entre 1200 a 1300 tipos de movimentos do Hijikata. E uma vez que ele ouve o nome do movimento, pode imediatamente reproduzi-lo. Hijikata criou e desenvolveu um número muito grande de movimentos e uma das coisas que nós temos que pensar no estudo do Butoh-fu é descobrir que movimentos haviam, quais eram as fontes por trás deles e sob quais códigos foram criados. E então nós temos que explorar a problemática de como os mesmos foram agrupados em peças de dança Butoh. Além disso, eu acredito ser possível que, ademais de seqüenciar movimentos em peças, Hijikata queria criar um “Butoh de Butoh-fu” que remanesceria como um tipo de estilo que poderia ser transmitido para as gerações seguintes de dançarinos.
I: Uma dessas exibições que me vêm a mente é “Barairo Dance no Iconology – Reconstruindo Tatsumi Hijikata” realizado em 2000. "Barairo Dance - à la maison de M. Civecawa" é um trabalho de 1965 no qual os contemporâneos de Hijikata na arte de vanguarda, Natsuyuki Nakanishi, Tadanori Yokoo, Mitsuo Kano, Gempei Akasegawa e Sho Kazakura participaram com trabalhos de arte. E envolvidos com a música estiveram Takehisa Kosugi e Yasunao Tone. Isto fez do mesmo um trabalho colaborativo entre artistas de Butoh, arte contemporânea e música.
M: "Barairo Dance" é um dos trabalhos relativamente recentes de Hijikata. Quando eu conversei com o Sr. Yokoo-san e o Sr. Nakanishi sobre o mesmo e estudei os materiais que me foram entregues por eles, vários aspectos do processo criativo de Hijikata ficaram evidentes. Eu descobri que a cenografia e o figurino foram um resultado de idéias tanto de Hijikata quanto de sugestões do Sr. Nakanishi. Além disso, os pôsteres pelos quais o Sr. Yokoo ficou conhecido foram na verdade um produto de uma sinergia de idéias colocadas de Hijikata, Nakanishi e Yokoo. Desta forma, Hijikata pode ser chamado de um (Serge) Diaghilev do Japão pela maneira que trouxe os talentos de uma variedade de artistas. Então, decidimos por este tema da exibição com visando propor um modelo de um arquivo “genético” que daria suporte a pesquisas sobre os processos criativos de um artista.
I: Eu acredito que Hijikata foi definitivamente um gênio criativo em muitos aspectos, mas mesmo para um gênio como ele não existem modos de toda a arte que podemos associar a ele virem puramente de dentro da mente e da alma de um único homem. Ele com certeza foi influenciado e inspirado por uma grande variedade de artistas, começando por Antonin Artaud e Jean Genet e incluindo seus contemporâneos japoneses em inúmeros campos, e acumulou esta inspiração em seu interior. Por exemplo, a respeito do subtítulo de "Barairo Dance" diz-se que é uma homenagem à Tatsuhiko Shibusawa. Revelar coisas como esta através da pesquisa do processo criativo de Hijikata é com certeza algo de grande interesse para todos aqueles interessados em sua arte e trabalho. Um dos projetos sendo conduzidos com esta aproximação é o “Arquivo do Movimento” (Ugoki no Archive) que vocês estão criando. Você nos contaria sobre este projeto em maiores detalhes?
M: O Arquivo do Movimento está sendo criado criado com a cooperação de Yukio Waguri e Moe Yamamoto. Por exemplo, há uma peça chamada "Shomen no Isho" que Hijikata coreografou para Moe Yamamoto em 1976. Para esta peça, as “Notas de Butoh” que Moe copiou em detalhes das explicações de Hijikata e uma gravação em vídeo da performance sobrevivem. As notas de Butoh de Moe são extremamente valiosas porque ele escrevia tudo o que Hijikata dizia a ele, então me fez pensar se nós não poderíamos usar tais notas para recriar todos os movimentos anotados nelas. Existem mais ou menos 330 movimentos que Moe recebeu de Hijikata para esta peça. Nós fizemos Moe representar todos dos movimentos e filmamos cada um deles. Além do Moe, nós também terminamos de filmar os movimentos que Waguri re-encenou para nós da caderneta de partituras Butoh-fu que ele registrou, e há também algumas outras que Saga Kobayashi tinha. Quando nós juntamos tudo, tínhamos filmado cerca de 1500 a 1600 tipos de movimentos. Gravando em filme os movimentos de Butoh-fu que restaram, o projeto Arquivo do Movimento procura revelar a estrutura do Butoh de Butoh-Fu de Hijikata e assim revelar seu desenvolvimento de movimentação e metodologia para sua coreografia. Até agora nós apenas temos essa coleção de filmes em servidor e discos-rígidos, mas eventualmente eu gostaria de desenvolver um banco de dados das filmagens. Eu acredito que isto vá se tornar um tipo raro de filme de Butoh-fu, de um tipo que provavelmente não existe em nenhum outro lugar do mundo.
É um trabalho que vai além das funções tarefas de um arquivo normal de coletar e preservar materiais do passado para criar novos materiais adicionando interpretações contemporâneas. Esse projeto já produz alguns resultados, incluindo a criação de um DVD explanatório intitulado “Tatsumi Hijikata – Butoh do Butoh-fu - O Butoh Notacional de Tasumi Hijikata” (versões em inglês e japonês) e um livro intitulado "Tatsumi Hijikata – Butoh do Butoh-fu – A criação decódigos e descobrimento do método" também publicado, que explica o processo de filmagem das movimentações e oferece uma explicação teórica do Butoh do Butoh-fu.
I: Quando os movimentos são feitos para a filmagem, o que vocês fazem a respeito do figurino?
M: Nós não demos atenção a coisas como o figurino em absoluto, apenas focamos puramente na movimentação. Como o propósito tem sido procurar pela estrutura e metodologia do Butoh de Hijikata, por assim dizer, até agora nós não estivemos interessados nos trabalhos específicos em si. Quanto aos comentários dos performers, eu tenho feito entrevistas e compilações de seus comentários. O método do Butoh-fu de Hijikata envolvia ligar diferentes movimentos aprendidos através de uma prática vigorosa para formar sucessões de movimentos que se tornariam cenas, e então ligar cena a cena para criar um trabalho. Embora a coreografia seja estritamente determinada, não é dado ao dançarino um fluxo predeterminado ou um único tema consistente (história) para o dançarino encenar.
I: Existe a possibilidade de que alguém venha a utilizar alguns dos cerca de 1500 movimentos que vocês gravaram para fazer novos trabalhos de Butoh?
M: Em parte, nós esperamos que isto aconteça. Por outro lado, há pessoas que dizem criticamente, “qual é a função dessas filmagens? Sem o Hijikata, esses movimentos não perdem o sentido?”. E eu entendo suas razões. Entretanto, existe a possibilidade que algum outro dançarino genial venha a fazer algum uso da metodologia de Hijikata, e eu acho que seria ótimo se isso acontecesse.
I: Na sua exibição mais recente ano passado, você focou no trabalho que muitos consideram ser a culminação do Butoh de Hijikata nos anos 60, o solo "Tatsumi Hijikata to Nihonjin – Nikutai no Hanran" (Tatsumi Hijikata e os Japoneses – A Revolta do Corpo).
M: Ademais ao Arquivo Tatsumi Hijikata, o Centro de Artes da Universidade Keio também tem arquivos para Shuzo Takiguchi, Shoichi Yui e Isamu Noguchi. Quando foi decidido fazer uma exibição trazendo materiais desses arquivos sob o mesmo tema, o resultado foi a exibição “1968 –Nikutai no Hanran to sono Jidai” (1968 – A Revolta do Corpo e sua Época). "Nikutai no Haran" estreiou em 1968, que foi um ano essencial em muitos sentidos, simbolizado pelo pico do protesto do movimento estudantil japonês. Na exibição de nosso arquivo foi criada uma instalação para expressar isso. A exibição foi seguida da edição de um livro intitulado "Nikutai no Haran – Butoh 1968 / Semiologia da Existência" que trouxe uma vasta coleção de fotografias das performances de 'Nikutai no Haran" e todos os materiais do arquivo como notas a respeito de ingressos e listas de convidados da platéia que nunca haviam sido mostrados antes. Também ansiando reinvestigar os pensamentos de Natsuyuki Nakanishi em relação à cenografia para "Nikutai no Haran", eu também incluí uma discussão com o artista e materiais relacionados no livreto.
I: Existe alguma partitura Butoh-fu remanescente para "Nikutai no Haran?
M: Não, infelizmente não restou nenhuma. Além disso, nem mesmo sabemos se realmente houve um Butoh-fu e resta muito pouco em relação aos dados de músicas e outros materiais relacionados à produção.
I: Isso significa que o trabalho que mais pode ser comparado diretamente com as partituras de Butoh-fu que Hijikata deixou é "Shiki no tame no niju-nana ban"?
M: Das cinco peças em "Shiki ni tame no niju-nana ban", algumas podem ser recriadas em parte no que se refere ao Butoh-fu que sobrou.
I: Para "Shiki no tame no niju-nana ban" existem alguns manuscritos ou notas escritas além das partituras de Butoh-fu?
M: Existem coisas que ele disse em entrevistas de jornais. Para começar, ele fez coisas como inventar frases de efeito para descrever sua arte, como “Tohoku Kabuki”, mas nessas entrevistas nem em outro lugar, ele nunca falou diretamente sobre o que ele procurou expressar em seus trabalhos e em seus próprios pensamentos. Em situações como colóquios ou coletivas com a imprensa, Hijikata não fala em termos específicos a respeito de sua metodologia, então as únicas descrições que nós temos são feitas por terceiros. Entretanto, existiam algumas verdades ocultas dentro das coisas que ele dizia, então nós precisamos selecionar essas coisas e descobrir o que realmente ele estava revelando. Por exemplo, ele mentiu muito sobre sua origem. Falando como se fosse verdade, ele disse coisas como ele era um de onze crianças e que todos os irmão morreram na Guerra e todas as irmãs se tornaram prostitutas, por exemplo. Nós podemos especular que Hijikata achava algo real em coisas escondidas como essa. Contudo, algumas dessas falas foram publicadas como verdadeiras e houveram ocasiões em que pesquisadores estrangeiros escrevendo biografias de Hijikata tomaram tais histórias como verdadeiras.
I: Dentre as mais famosas citações de Hijikata tem aquela em que ele diz, “Eu tenho uma irmã mais velha vivendo em meu corpo. Quando estou concentrado tentando criar um trabalho de dança, ela rasga a escuridão em meu corpo e come mais do que necessita. Quando ela se levanta, eu me encontro sentando inconscientemente”. [Do livro de "Hijikata Inu no Jomyaku ni Shitto suru koto kara (De ter ciúmes das veias de um cão, 1976)]. Quando considerado à luz da educação de Hijikata (na região nordeste de Tokohu), palavras como essas realmente estimulam nossa imaginação, mas nós somos incapazes de dizer em que grau eles são verdade e em que grau elas advem do mundo de sua imaginação intensa.
I: Uma das atividades de seu arquivo é cooperar em exibições que aproximam o Butoh do ponto de vista artístico, como “Bijutsu to Butoh no Hijikata Tatsumi ten" ( Exibição Tatsumi Hijikata – Arte e Butoh) que foi feita no Museu Ikeda de Arte do Século 20 em 1997-98.
M: A primeira exibição como essa aproximando o Butoh do ponto de vista da arte foi mostra principal na Galeria do Centro de Arte Cívica Yokohama em 1989 intitulada “Hijikata Tatsumi to sono Shuhen ten – Butoh to Bijutsu no Hyogen Sekai wo Saguru” (Exibição Tatsumi Hijikata e Contemporâneos – Explorando o mundo da expressão no Butoh e na arte. Foi mais ou menos nessa época que percebemos as possibilidades de exibições conectando arte e Butoh, e desde então fizemos várias exibições. A última dessas maiores exibições foi uma no Museu de Arte Taro Okamoto na cidade de Kawasaki intitulado “Nikutai no Surrealism: Butoh-ka Hijikata Tatsumi” (Surrealismo do corpo: O artista butoh Tatsumi Hijikata).
I: Estou certo de que existem muitos materiais sobre Hijikata que virão à tona futuramente, então eu acredito que haverá uma necessidade do trabalho de digitalização e a re-organização continuar. Além desse trabalho, contudo, existe algum projeto em particular que vocês queiram se dedicar no futuro?
M: Embora não seja nada de novo, um dos problemas do Butoh atualmente é sua internacionalização. A grande maioria dos escritos sobre Hijikata atualmente em circulação são aqueles escritos ou em inglês ou francês. Esses escritos não estão sendo propriamente apresentados no Japão. Eu acho que alguma coisa deveria ser feita sobre essa situação. Independentemente de questões sobre a qualidade de tudo o que tem sido escrito por autores estrangeiros, eu acho que o Japão deveria estar ciente do que está sendo dito sobre Hijikata e o Butoh além-mar. O ensaio "La reception du buto en France: malentendus et desires" que nosso porta-voz convidado Pages Sulvianes apresentou na Conferência Internacional de Butoh que organizamos em janeiro de 2009 era muito estimulante intelectualmente. Devido a estímulos como este, nós começamos a traduzir, em versão resumida, a coletânea de ensaios sobre Butoh intitulado "Buto (S)", publicados na França em 2002.
I: Eu concordo que é muito importante haver um circulação internacional de discussão a respeito do Butoh, entre o Japão e o mundo. Pra melhor ou pior, há idéias sobre Butoh que ganham uma dinâmica própria e que por vezes circulam sem serem verificadas no exterior. Mas o mesmo ocorre aqui no Japão. Eu definitivamente acredito que é necessário ter um circulação internacional saudável das idéias centradas no Butoh.
M: Um dos focos desses esforços a serem trabalhados agora é examinar o Butoh do ponto de vista histórico. Com um espelhamento do movimento distante do Butoh do Japão nós precisamos, à essa altura, examinar a história do Butoh novamente. Quando os artistas de Butoh, e nós que estudamos o assunto, alcançamos um beco sem saída em nosso questionamento fundamental sobre o que é o Butoh, nós freqüentemente voltamos ao Hijikata. Nós nos perguntamos o que Hijikata dizia realmente sobre certas coisas e quais eram seuspensamentos. Embora sabendo que tais coisas podem não nos levar imediatamente a respostas, precisamos ter as informações e materiais que podem ser o gérmen do pensamento arquivados em umaf orma acessível para as pessoas. Claro, nós não podemos nos tornar o Hijikata, mas podemos tornar acessíveis os materiais que mostram um certo montante do que Hijikata realmente dizia e fazia e pensava. Eu acredito que o papel do Arquivo Tatsumi Hijikata é realizar essa tarefa
Obrigado, senhores,
Rogê
rogervalenca@gmail.com