domingo, 1 de fevereiro de 2009

homem vegetal

Difícil esquadrinhar os caminhos traçados que levaram a esta trágica conseqüência. Qual a atitude tomada que precisou este resultado típico, finalizando por um tombamento geral das coisas, agora, empilhadas irreversivelmente num imóvel amontoado; jamais haveremos de conhecer. O que se sabe do caso, ainda que variem as versões desse fato, dependentes exclusivamente das particularidades que são próprias de cada narrador, - se o contador se deixa levar pelas suas interiores divagações, elocuções, pela atenção em si, ou mesmo se engrandece ou diminui fatos de acordo com as conveniências ocasionais, por exemplo e enfim -, é que havia, as véspera do ocorrido, um pequeno incômodo em sua região estomacal, cutucando-lhe as entranhas incessantemente. Esse é o máximo que se poderia dizer. De fato, tal desconforto não provinha mais de cima, da cabeça para ser mais exato, e, sem dúvida, caracterizava-se por uma ardilosa armação de seu próprio ventre. Se outrora era capaz de comover-se até a exaltação e com isso demonstrar certo descontrole perante aos próximos, numa alternância febril do humour e, consequentemente, das próprias atitudes, agora, nesse estado – indescritível, o leitor haveria de notar se pudesse observá-lo então – nem a maior Revelação, ou ato divino desdobrado perante às vistas, fazendo jus a qualquer outro indivíduo submetido a tal condição da humanidade, tornando todos os atos de perfídia das ímpias falanges não só perdoáveis, mas, também justificáveis, enfim, nem tamanha explosão de esclarecimento seria capaz de subtrair-lhe tal indignação. Pois bem, começamos de tal maneira coloquial, de um devaneio tão sem propósito, e chegamos, quem diria, a tal confissão...
Vamos ao fato. Começou desapercebido. Um comichãozinho brotando no lugar próprio dos comichõeszinhos, mas, mantenhamos em segredo. Entre os dedos do pé. Contudo, não julgaria tal providência da natureza animal desconfortável. Pelo contrario, dependendo da hora e do lugar em que se estivesse, era de um prazer parco e de um gozo simplório, pois bem, providenciar arranhadinhas na citada vermelhidão. Àquele tempo, todavia, suas atitudes já se entornavam e não vertia mais nenhuma produtividade. Era penoso. Mas quando a tediosidade atingia seu limite e o ócio prestava-se a deglutir-lhe, prostava-se de pé e dedicava-se prontamente a algumas tarefas de perfil interminável. Limpar os vãos ou reorganizar a mobília. Ou ambos. Isto independia-se. Sem delongas pôs-se a lacrar a fechadura mestra, o unico caminho capaz de adentrar seu entorno. Tal tancra, senhores, foi responsável por torná-lo dono de seus próprios atos e independente na realização de seu próprio destino. Suas narinas cabiam-lhe, única e justamente, a si próprio. Neste ponto de sua jornada, não poderíamos tê-lo impedido, caros leitores, mesmo que tivéssemos esse poder. Tal transformação foi a causa de uma atitude exclusiva, portanto, não nos cabe, estáveis que somos, a nos pormos em lamentação ou sequer em ações penosas. Sofreu demasiado conscientemente para que o perdoemos, e sejamos vítima de alterações desta maneira. Recomponhamo-nos e voltemos à narração. Não houve demora para que começasse a apercerber-se de folhagens, ora frescas e verdolengas, ora já douradas e ressequidas, espalhadas pelo imóvel. Diante de tal infortúnio, e observando a própria sorte revirada à guisa grega, cessou instantânea e imediatamente, consternado e abatido irreversivelmente, todas as atividades, ainda que poucas, a que se dedicara. Pôs-se então em posição de escultura, estátua talvez, nada colossal, tenso sim, belo não. Houve uma evolução, e, se nos coubessem aparatos científicos, lentes tele-microscópicas, e é claro, se nos fosse possível invadir sua vida em tal situação, seríamos capazes de notar, em nossa humilde posição leiga, vendo de baixo e sem objetivos oculares adestrados, denotativamente, a aparição milagrosa de entamoebas, saginatas, rodofíceas, e toda a sorte de vegetálias e afins. Num variado leque, inclusive. Em alguns meses, obtivera um flora variada numa paleta colorida bastante tocante, em torno de si mesmo. Em pouco mais de alguns trimestres já não se lembrava da fome ou das necessidades animais. Agora, afortunadamente feixes de claridade banhavam-no pela manhã, nutrindo-lhe satisfatoriamente. Até além do que havia chegado a desejar enquanto bicho. Se nos coubesse a fabricação e posterior confecção de algum catálogo, rotula-ro-íamos silvestre. Nunca mais se moveu. Senhores, se tal transformação foi façanha de uma trágica peripécia, que pesaroso causo teríamos em mão. Agora, se partiu de um desejo interior, primeiramente formulado e obstinadamente edificado pela força da mente, e em seguida estabelecido por um homem só, fruto de um esforço ímpar em metamorfosear tal transmutação, felicitemo-nos com o êxito titânico de seus secretos planejamentos.

Rogê

2 comentários:

  1. Ufa, que períodos enormes.

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  2. "eu gosto tanto de você que até prefiro esconder, deixa assim ficar subentendido..."

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