sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Quando nos deparamos com aquele cenário e todo aparato de acessórios que prenunciavam a consumação de uma grande festividade, nossos olhos se encheram de lágrimas esperançosas, pois nesses antes não haviam ainda gozado de tamanha inflamação.E não era mais um filme, era a coisa construindo-se pouco à pouco diante de nossas cansadas viseiras, tínhamos autonomia na edição, porque em qualquer direção fitávamos integralmente sem rodeios ou efeitos peliculares. Que o clima lá fora estava satisfatório todos constatavam, mas lá dentro só nós, chegamos primeiro, gozávamos de exclusividade, tudo isso ajuntados ao acontecimento inédito que logo mais se desmancharia aos nossos bem acostumados julgamentos. E assim sucedeu.
Primeiro aquela balbúrdia de pessoas comparecendo elegantemente à porta do recinto, homens de trato, alguns menos , outros mais arrojados, da classe feminina havia quase todas, enfim, gente de nome, herança e faro fino pras delicadezas do corpo e da alma, jovens de toda espécie, velhas que pendiam por portarem muita idade e quilate, com seus respectivos e maravilhosos casacos de pele, adquiridos menos por merecimento que por fatores alheios. Sendo assim, encheu-se o auditório, ouvia-se comedidos burburinhos que qualquer conversa mais exaltada podia ser facilmente escutada, por isso, timidamente nos policiávamos ao discursar aquela soberbice que só poucos podiam lograr. Logo, surge a voz do locutor anunciando o início da ocorrência, e logo depois a abertura das cortinas, seguidas da apresentação dos feitores, vice-feitores e idealizadores do tão esperado episódio. Eis que surge a primeira à desfilar, pela ausência de antecedentes ficamos estupefatos com toda aquela classe de gestos, e pela coisa em si, movendo-se lá embaixo com aqueles fardos todos e aquele ar nonsense que carregavam na cara despida de pureza e expressão, portanto, à nossa falta de costume suportamos bem, permanecemos sentados assistindo aos mais variados tipos de formas, cores e exuberâncias. Teve algumas que mais se assemelhavam a horrendos bichos silvestres que à nós, carentes de beleza e por pouco quase animais. Por isso, no decorrer da apresentação, nossas faces foram pouco à pouco murchando de alegria, o êxtase inicial foi dando lugar à decepção, o que era novidade foi-se.
Estranhamente, e para minha surpresa, olhava ao redor e todos aplaudiam subitamente aquela fartura de ousadia sem função – autômatos talvez desempenhassem melhor o papel - , à medida que as imagens escorriam meu desespero ia aumentando, abrandou-se apenas quando percebi em meus companheiros a cumplicidade do sentimento em suas palpebras pesadas. Tudo terminado, permanecemos em silêncio, o cansaço reinava , a falta de conversa denotava um sentimento pobre do qual nenhum de nós ousou confessar, entendíamos uns aos outros pelo silêncio, prova irrefutável da culpa, saboreamo-la juntos.Por fim, ao sair do recinto já não havia mais nada de satisfatório, nem o clima, nem a tão esperada festa, os tapetes já não eram tão vermelhos quando da entrada, fomos e desvendamos a desilusão para com as novíssimas tendências, os comportamentos, atitudes da geração que também somos parte e também temos nosso quinhão neste grande bolo de fracasso. Frustrante confessar : rogamos praga nas bananas, mas não alcançamos o cacho!

Raton

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

abstêmio

Hão de me perguntar – decerto, já o fizeram sortidas vezes – por qual razão, e quais os motivos que me levaram a tamanha abstinência, tendo em vista todas as minhas oportunidades de jovem, semigalante, profuso na juventude, randomicamente tão amante da altivez e detentor das fluídas características avivadas que banham as atitudes carregadas de frescor de um garboso juvenil. Estas primeiras, as atitudes, sempre acima dos pensamentos de um imaturo. Estes segundos, os pensamentos, ainda fermentando na fornalha. Doravante, senhores, entenderão. Entretanto, os caros companheiros, alguns sobremaneira refletidos apesar da idade modesta, outros ainda submetidos a inquietações – ainda que pouco perigosas e longe de representarem qualquer gravidade – receio declarar, jamais entrarão em ressonância com minhas atitudes. Tais atos poderiam rotular um caráter radical, incoerente e extremado. Consequentemente que minha pessoa pareceria, àquela ocasião, sofrer de turbulências no interior, e, acima de tudo, padecer do maior e mais avantajado dos males de um homem indigno: o terror.

Digo aqui com segurança e solidez, e talvez jamais tenha sido tão firme em qualquer discurso anterior: o espanto e o pavor jamais se aproximaram de meus devaneios. Sequer o medo. Ainda que, confesso, muitos deles – os devaneios - me parecessem incertos e sem destino concreto, cri, sempre, no vislumbramento de alguma solução.
Resumo agora senhores, os passos que decidi traçar e que tornaram por exigir drasticamente de minha pessoa um profundo estoicismo aliado à severa coesão. Notar-se-á que não existiu em minhas ações, nada de surpreendente, nem de extraordinário. Menos ainda de surpreendentemente extraordinário. Contudo, acredito na validade do seguinte lembrete: os homens nascidos em privação estão dispostos em prateleiras diferentes daqueles que um dia tiveram, mas perderam, em circunstância das adversidades que nunca tardam à vida. Numa terceira esfera, longínqua e separada, estão aqueles que determinaram seu próprio destino, e, por força de vontade, optaram pela distância de determinados prazeres e pela ausência de facilidades que sempre estiveram ao alcance dos dedos, abdicando a uma vida guarnecida de suculentas providências. Nesta terceira categoria encontro-me.

Tais atitudes podem parecer insípidas e perfunctórias para quem nunca as provou, mas está lacrado o selo de minha garantia: possuem estas um paladar crocante de tórrido torrão. Senhores, deixo claro, trato aqui não do sublime indizível das atitudes permeadas ao espírito humano que perseguem o platô elevado da superioridade moral. Digo agora para cessar providencialmente provenientes esclarecimentos: renunciei ao álcool durante o período de incursão à – profundamente inteligente, porém periclitante em sapiência – academia universitária.

Por fado, ou destino, diversos homens viveram resignadamente a gargântua seca dos abstêmios. Apoquentam-se. Variadas e descoloridas são as motivações. Provém de alternados ângulos e brotam de fontes diversas, tendo naturezas até mesmo complexas e de difícil solução ao nosso raciocínio. Mesmo à dos monges (não digo toda sorte de abades, vocês bem o sabem) que acreditam não agir para não errar. Há nesta atitude, paradoxalmente, um equívoco. Não me aprofundarei. Despido de verticalizações neste aspecto, não me arrisco a criticar a atitude destes entendidos na alma humana, conhecedores dos deveres de uma boa conduta e que refletem o destino da ascensão humana de maneira cálida, porém sadia.
Senhores, o ritual que se seguia, outrora, repetidamente diante de meus olhos era espantoso. Há ciclos facilmente detectáveis no ecossistema humano. Semanalmente, num prazo pré-determinado por alguma espécie de consciência coletiva e superior, esgota-se a paciência humana, atingindo o ápice numa dolorosa exaustão, conseqüência de uma vida fatigante carregada e empurrada por entre as tramas cerradas da labuta cotidiana. Assim, almejam os homens a recompensa da maneira mais instantânea quanto podem, logrando um prêmio esculpido numa ilusória concretude imediata. Transmutar a consciência, alterando a percepção da realidade para atenuar o conhecimento de um destino preenchido por doses severas de ordens imperativas é de certo teor adiável, porém, irredutível. Eu observava tudo, seguro em meu casulo sóbrio. Raras vezes abandonei a cápsula e arrisquei-me na selvageria. Degustei algumas nesgas de seus ritos, mas, nada eram além de acepipes petiscados em comparação àquele banquete platônico, ébrio e risível. Paguei o preço do não cumprimento das regras. Não partilhar do mesmo estado efêmero de felicidade fácil dos indivíduos nos mais variados recintos me fez cair absorto em pensamentos dentro de mim mesmo, adquirindo caráter taciturno e não respondendo às expectativas de tais festividades, ensimesmado. Todavia, não cheguei sequer próximo da comoção exaltada daquele povo. Engolindo as peças de meu próprio jogo, quase fui solucionado. As regras, pois, eram minhas e o lábaro ostentado por mim titubeou, mas não tombou.

Vos digo em verdade: persegui a vida em sua essência buscando retribuir com honestidade e infringindo-lhe o golpe revidando nas entranhas da existência. Permanecer consciente de meus problemas, à totalidade de meu tempo, trouxe liga aos meus músculos e densidade à minha resistência. Fez-me inclusive suportar com certa facilidade o peso de meu estado neutro, além da percepção, jamais dantes acatada de que conversas de botequim são, em sua grande e devassadora maioria, frívolas de despropositais, e permanecem girando em torno de seu próprio eixo até que tragicamente escorreguem pela tangente das rotações de seu particular círculo vicioso.

Mesmo assim, senhores, não decifrei empiricamente a felicidade. Ajuntando as palmas diante de meu semblante e aglutinando fôlego, sobrevive a dúvida:

- Oh! Deus! Por quem me tomais?


Rogê
nasce o jovem convivial!