sábado, 14 de março de 2009

Poesinhas



Hai-quase


Frustrante querer abraçar o mundo
Sabendo que o diâmetro do seu braço
É infinitamente menor que a terra



Newtoniana


Todo anarquista
que se preze
deve respeitar
a lei da gravidade



Analogia


Tal e qual o Nilo
que do limo fértil
as margens recebe
penso no Pinheiros
que outrora
poderia ter sido

(eu apenas imagino)

Hoje,quando passo
sobre a ponte
vejo e sinto
a discórdia
na aparência
fonte nutriz
de tal capricho
em vez de húmus:
Lixo!




Raton

domingo, 1 de março de 2009

a chácara

À medida que nos aprochegávamos daquele refúgio parecíamos enfim aportar num sentimento de realidade dantes inexistente. A partilha da sensação aconchegante era confidenciada por nós, num sentimento sublime, conquanto incomensurável, talhava-se em nosso semblante. Isso de uma maneira geral. Outrora, traçando planejamentos utópicos jamais pincelou nossa pretensão a efetiva realização de tal acontecimento. Simples em sua essência, a realização do evento era de tal carga afetiva que contou com a ademão incondicional de todos. Reuníamo-nos enfim, distantes das cargas prejudiciais dos decibéis civilizados, o ar carbônico espesso e do caráter despolidos dos servidores públicos. Um de nós disponibilizou tal recinto – herança antiga familiar -, afastado, no qual ouviam-se alguns farfalhares botânicos e doces gorjeares da gentil fauna que nos rodeava. E este era o entorno, de um frescor juvenil e de uma vitalidade pulsante, noutros tempos esquecidas por nós. Enrubesço-me ao confessar. Dispensável concluir: o porvir trazia consigo êxitos inestimáveis a nossos conjuntos psico-físicos.

E então, decorreram nossos dias. Acordávamos cedo, e o café preparava-se com esmero. Alguns tendenciavam ao amaro, outros pendiam a versões adocicadas do vitalizante. A felicidade geral da nação irradiava-se nas ocasiões em que o panis fumegava-se em tempo real diante das expectativas salivares. Alguns aproveitavam a oportunidade matutina e caminhavam descalços, plantando a sola desnuda no solo ameno. A maioria dos senhores, todavia, prostrava-se à varanda, discursando com consistência e sem preocupações formais a respeito das ambições que preencheriam o dia a seguir, ou o ano, ou ainda mesmo, quando o pano para manga era suficiente e todos deleitavam-se numa despreocupação inocência, a vida que vinha sem tardar. Não havia regras, mas optando por um bom senso superior todos concordaram sem se pronunciar energicamente à partilharem as refeições num horário comum. A hora do almoço, particularmente, era bem vista como oportunidade ideal para refletirmos a respeito da evolução animal do homem, a sua superioridade benéfica em relação à natureza, tendo em vista o salto que foi dado pela raça ao eximir-se da cadeia alimentar, trazendo deste modo benesse ao equilíbrio do ecossistema universal.

Após toda essa deglutição empenhavamo-nos a tratar do corpo físico. Alguns sonecavam, outros dedicavam-se ao descanso dos músculos praticando sábios rituais antiquíssimos de massagem. Outros ainda optavam por banhos com ervas, sem pressa, atropelamento ou adiantamento da ordem natural dos fatores. Assim que abrandava o calor dos trópicos – nas horas de pico pensar-se-ia “uma estufa!” – reuniam-se grupos espalhados na localidade para dialogar. Os tópicos variavam por demais. Discutia-se sobre a fluidez das coisas, a respeito de tudo que se move e não fica parado, sobre a conectividade das esferas da existência, sobre o mal que ainda existe na Terra e sobre o Perdão Maior que se abaterá sobre os homens no futuro, dissolvendo a perfídia e causando comoção aos estóicos, acarretando na mais louvável absoluta redenção da humanidade. Os assuntos a que nos dedicávamos eram de toda sorte e dos mais variados. Todos partilhávamos, medianamente, os mesmos conhecimentos. Ainda que coubesse a cada um sua devida especialidade. Deste modo, tais encontros vespertinos concluíam agradáveis acontecimentos. E não era só isto. Preocupava-mo-nos conscientemente em não nos prolongar demais em cada sentença, e assim, abria-se espaço para a réplica do interlocutor, e a tréplica e assim sucessivamente, acarretando em diálogos justos. O prazer da comunicação era inigualável a tantos outros que tínhamos alcance naquela ocasião.

Por exemplo, o vinho. Havia um estoque de safras engarrafadas que poderiam prover ebriedade contínua por semanas a fio. Ao crepúsculo, no exato momento em que a angústia suscitava conquistar seu clímax, ajuntávamos ao redor do piano e entoávamos canções típicas e de algum teor melancólico. A alguns havia sido dado o dom da leitura das partituras, e por isso mesmo, às vezes revezavam a digitação das teclas em duas ou quatro mãos. Outros foram presenteados com voz de veludo, em principal as fêmeas presentes na ocasião. Aos não abençoados com tino musical cabia o mais árduo labor, pois estes não eram menores em sensibilidade. Sentavam, ouviam e comoviam-se às lágrimas. Pois bem, cantávamos, tocávamos, dançávamos, comoviamo-nos e sorvíamos vinho. Ao final desta jornada diária, exaustos, dormíamos enfim.

De um infortúnio, sem grande delonga, fomos pegos. A exuberância a que nos predispusemos voltou à culatra. Estávamos dominados pelos próprios desejos numa diletância primária. Chegamos todos despidos de pré-conceitos e abertos a diálogos puros e praticas que fossem capazes de ampliar paradigmas intra-inter-infra-pessoais. Toda aquela disposição incial à culinária, aos encontros, à fala, e aos acontecimentos foram desgastando e de súbito, ao apercebermo-nos, as musicas eram as mesmas, os assuntos repetiam e os rostos alheios já tínhamos visto. O consumo da uva fermentada foi aumentando, e com ele, numa escala diretamente proporcional, crescia também a falta de higiene e o aspecto de pocilga, do entorno, do físico e de nossos pensamentos. Éramos frouxos.

Evitamos falar no assunto. Comíamos ocasionalmente e obedecíamos apenas as necessidades de sobrevivência. Todas as outras atividades lúdicas foram podadas na raiz. Este processo penoso pelo qual passávamos era apenas parte do equilíbrio, conseqüência do exagero, ausente nos primeiros momentos, mas que tomou corpo e já dominava-nos um pouco a seguir. Afortunadamente, ao nos apercebermos disso, os de maior sapiência em primeiro lugar, seguidos de perto pelos mais instruídos, tomaram uma atitude. Nossa visão turvava-se pelo incômodo de estar ali e o vislumbramento demorou a clarificar-se. Todavida, assim que veio, observamos como que de fora e percebemos tudo em seu devido lugar. Convocamos uma reunião, deveriam todos estar ao salão principal na hora tal do dia tal, munidos de tais e tais objetos. Limpamos pois, toda aquela porcalha e de um mutirão, pusemo-nos a partir. Não volveríamos a nos encontrar em breve.

Rogê