quarta-feira, 16 de março de 2011

Tratado adjetívico a favor dos imbróglios ciceroneantes na era das redes sociais

Absortos no emaranhado deste incomensurável novelo infindo, donde mui confortavelmente se assentaram os grandes e notáveis barõezinhos da grande mídia, maravilhados havíamos assistido passivamente o roçar de inquietas e furúnculas nádegas em contato com o canônico cetim. Ali mesmo, entre a camada ociosa da banha rançosa e a espuma revestida por já citado tecido, situa-se o local predileto donde estes preclaros mancebos regozijam-se diariamente vertendo os gases flatulentos oriundos da nossa indigerível realidade. Estamos falando da internet, ela que recebe de bom grado as maiores atrocidades do pensamento em palavra escrita e que, todavia, acaba quase sempre por abafar ou neutralizar a real natureza da intenção sacana que muitas vezes ela oculta. Oras, já há considerável tempo foi-nos dada a possibilidade de invadirmos os nobres salões de imprensa e acomodarmo-nos nas indefectíveis poltronas dos chefes. Queremos dizer que já não somos meros receptáculos e não deveremos prosseguir genuflexos a esta postura folgazã – pelo menos este é o parecer dos dois indivíduos que compõem este blogue –, que nós mesmos, ao ascendermos à tão estimado posto, resolvemos conservar pra regozijo da nossa patronagem baronesca. Foi ela que nos flanqueou o passo para que pudéssemos compor a banda podre e finalmente botar a boca no trombone, não porém, sem antes habituar nossos ouvidos com as costumeiras e uníssonas harmonias. Assim, passamos a seguir o cortejo enfadonho em posição privilegiada, todos agora polidamente trajados com a farda da bandinha. Pudemos finalmente ser observados pelo cortejo, embora com severas censuras por parte dos maestros, estes sacanas de uma figa que nos tolheram o improviso! Tal ascensão constituiu-se com o advento dos blogues, fotologues, x’s spaces e mais recentemente com as afamadas redes sociais.

Todo este premeditado circunlóquio, serve-nos portanto, para que possamos demonstrar, para o bem do livre dissertar, nossas opiniões devidamente desatadas de um modelo pré-concebido e imposto pelos meios virtuais e como forma de repúdio às novas diretrizes almejadas pela estilística castradora do direito lexical.

É conhecimento de todos a existência de uma entidade sagrada que tacitamente encurrala nossos anseios criativos, pronta para arrebatar-lhas à coleiras sufocantes, atando-as a uma corrente indelével de pouquíssimos elos. Assim limitam nosso direito de livre acesso ao picadeiro da linguagem, objetando e fazendo-nos aplicar frias sentenças ao sermos condicionados a eliminar a verve significativa do verbo. Irmãos, saibamos, a palavra tem vida própria, e ao contrário do que imaginamos, admitamos pois, e de uma vez por todas, que a existência delas muitas vezes é tão mais representativa que a nossa. No entanto, o homem parece desprezar o caráter expressivo que delas emana e que nós mesmos por termos sido adestrados feito bestas de circo, acabamos ignorando-as de maneira insensível, desnaturada. Doravante, fazemos aqui um grave apelo a todos que convivem com ela sem dela dedicar-lhes merecida atenção: ouvi as palavras, perguntai a respeito de sua procedência, peçam-lha que conte a estória de suas antepassadas e se possível, desnudem-na como fazem com seus namorados ou namoradas, pois os recônditos da palavra também reclamam sua exploração em benefício delas mesmas sem tirar-lhes o direito ao gozo. Palavras não são frígidas, pelo contrário, são até muito folgosas, cabe a nós o saber acariciá-las da maneira que lhes convém. Notamos quase sempre que algumas delas têm o ar distraído, às vezes obtuso; como no caso das mais altivas, estas que passam ao nosso lado sem insinuação alguma, sem aquela olhadela providencial, sem o rabo de olho tão provocador das nossas maiores curiosidades. Todavia, à maneira das flores que se guardam durante determinadas estações, assim também se comportam as palavras. Elas, muitas vezes estão reclusas em sua condição semântica vigente. Assim como nós, que nos dissimulamos através de vestimentas, máscaras, maquiagens e et coetera (acabo de tirar o fraque do tímido e acanhado Etc), elas também se utilizam de análogos artifícios a fim de ludibriar-nos em sua natureza sazonal; portanto, nada mais salutar e revelador que nos aproximemos delas com ares galanteadores. A partir da trova, há a entrega e a suposta exibição da menina. E como num desfolhar outonal, a palavra se despe pétala por pétala, camada por camada; sede pois maliciosos e imaginai o striptease; se literato, imaginai as epifanias que se desdobram de suas exuberantes formas! A palavra meus caros, ao contrário do homem, é muito mais duradoura e não perece pelo câncer; humanos são trogloditas e fazem muitas coisas feias, repudiantes até mesmo para os mais insensíveis dos acéfalos.

Tudo isso dizemos para que fique bem claro a atual condição da nossa pobre expressividade léxica. Usamos com espontaneidade os braços e as mãos, e quando a feição toma forma em determinada emoção, também ela nos ajuda a obter com ressalvas a expressão desejada. No entanto, quando temos de transferir nossos mimos para o campo da escrita, sucumbimos pela anemia verbal, e toda potencialidade léxica se definha, porque desaprendemos a arte do bem guia-las em prol do dinamismo de nossas vidinhas. Vidinha sim porque a internet tomou nossas melhores horas; vidinha sim pois já não podemos dizer te amo às pessoas que amamos porque elas usam fones de ouvido o tempo todo. Por isso, órfãos, alguns buscam exílio nas diversões eletrônicas, outros preferem fruir com os grandes espetáculos populares, e uma minoria encontra na palavra o afago e o lenitivo pra solidão e o imenso vazio que nos atordoa e nos põe assim, meio macambúzio e mansos de vontade no manquitolar dos dias.

Comumente as palavras não atuam como ícones do cinema – mas que desde já saibamos - , elas juntas também podem formar pares tão ou mais belos quanto Marcelo Mastroianni e Greta Garbo. No entanto, nosso pós-mergulho suicida na era do control+C control+V parece ter deixado irremediáveis pústulas nos lombos já acicatados da linguagem. Infelizmente, notamos certa e ululante tendência ao resfriamento lexical. Outrora até mesmo os mais levianos jornalistas sabiam muito bem a receita, temperavam-na com aromáticas locuções, refogavam com o verbo os mais saborosos adjetivos a fim de se obter um texto saboroso e requintado. Uma simples folheada pela extinta revista O Cruzeiro se comparada com a atual e refugosa Veja, nos dará uma idéia do quanto estamos chafurdando num nível raso de estilo. Tudo isso se deu quando um belo dia o editor chefe, ao deparar-se com a destreza de seu estagiário no manuseio do texto, movido pela inveja, saraivou o despretencioso manuscrito com pinceladas polonescas de caneta vermelha. Não satisfeito, redigiu o primeiro de muitos que se seguiram e do que se convencionou denominar "manual do estilo jornalístico", mas que também poderia ser Manoel do estilo jornalístico, pois o reverendíssimo autor da poda levava este nome como alcunha pejorativa, um talzinho zé mané. E todos passaram a emular Manuel, outras grandes casas editoriais passaram a redigir seus respectivos manuais de estilo, e nas reuniões de pauta preconizavam a concisão e bradavam em alto e bom som, “Queremos um texto que produza tal efeito que o leitor não poderá distinguir um jornalista de outro, queremos um texto com a marca da nossa empresa, e não um amontoado de frases que servem apenas para deleite de poucos. Para os que querem floreios e sinedoques, Olavo Bilac neles!!!”.

Por conseguinte, somos os maiores entusiastas da verborragia, e ao contrário do que se possa imaginar, não temos ínfulas de Castro Alves, tampouco transamos com o estilo truncado das traduções de Barreto Feio da Eneida e da Odisséia. Queremos apenas um décimo do léxico desvairado de um Mário de Andrade no ápice de sua verve poética; meio décimo de um Baudelaire extasiado pelo ópio e três quartos da singeleza adjetívica de um Jorge Ben quando morador da rua Otacílio Alves no bairro de Jacarepaguá. Sabemos muito bem os desdobramentos semânticos pejorativos do conceito verborrágico decorrentes das vanguardinhas modernas, mas não economizaremos esforços (nem palavras!) para que se faça entender o que realmente pensamos a respeito do texto jorrando confetes e, por meio de tratados súplicas e votos defenderemos com afinco a acepção do conceito que ela engloba e nos apraz. Isto é, a verborragia como sendo apenas uma forma de estilo que não preconiza a concisão, a planura e a aridez no modus scribendi fazendo a intermediação entre o sentimento e a expressão. A verborragia é somente o discurso amigo dos rodeios, dos floreios, da dupla adjetivação. Seu desmoderado uso, não necessariamente concede aos argumentos discursivos crédito e veracidade, tampouco atua em prol da finalidade com a qual escrevemos.
Mormente, como no presente tratado, a verborragia pode até driblar o leitor no que concerne a reta compreensão textual. No entanto, devemos antes de tudo recordar a tríade aristotélica com respeito à finalidade literária contidas na Arte Poética; essa bula caduca de preceitos que ainda nos cativa, aonde o deleite vem acomodar-se placidamente ao lado dos alvoroçados comover e ensinar. O deleite, meus exíguos dois ou três leitores, quando saltita no texto, é despretensioso e crédulo, mora na choupana e vez ou outra toca na flauta de osso macias melodias para o bem de nossa nutrição auricular. Seus vizinhos têm ganância, cortejam a nobreza, e quando se deparam com algum jovem efusivo, blasfemam absurdidades, batem o pé bradando velharias e desconfiados se encerram em seus palacetes já ruídos pela ação dos tempos. Assim sendo, a verborragia tem como seu maior escudeiro o deleite, que por sua natureza pueril, ensina e comove num sem querer querendo sadio, muito diferente dos textos jornalísticos e das redes sociais. Por isso escrevemos norteados pelo verbo em hemorragia aguda, às vezes compomos sem nenhuma pretensão outra que não seja o deleitar através dos vocábulos. É escrever fazendo simples escolhas, mas sempre motivados pelo cunho lascivo e viscoso da cuja. É como saboreá-las lambendo a embalagem. Um exemplo, e em língua estrangeira para não sermos acusados de ufanismo lusófono; se temos de optar entre mot e parole, é claro que optaremos sem obtemperar pela segunda, porque mot é murcha, já foi esbelta, ao passo que parole brilha mais, tem mais visco; ainda que nossa sentença venha sofrer mudança significativa, seguiremos coquetes e tendenciosos em nossa pequena eleição. Tudo isso porque as palavras foram nossas maiores invenções, e não queremos em nenhuma instância despreza-las quando somos movidos a isto pela linguagem dinâmica e frouxa de nosso tempo; nem também pela ditadura lexical gerida pelas redes sociais. Como jovens punk's se expressam quando revoltados por tal ou qual atitude burguesa, diremos sempre NÃO! a toda forma lisa e estável das veredas estilísticas. Queremos a palavra no centro do palco, dando magníficas piruetas; exibindo-se livremente; rebolando e descendo até o chão, e nem é preciso tanto carnaval para que assim se suceda. Ela, meus caros, ela é que deve ser a estrela, a diva. No entanto, caros irmãos, o que é que estão fazendo conosco quando limitam nossa ejaculação verbal em quatrocentos e vinte caracteres? Esta é a postura adotada pelo facebook. Quando nos sentimos livres e desatados a expressar opinião ou queixa nesta rede que a cada dia recebe milhares e milhares de novos adeptos, quando estamos no auge da empolgação narrativa e acabamos ultrapassando o número insuficiente que eles nos dão de lambuja, o que é que estão fazendo senão forçando-nos a cometer uma violência crassa? Assim agem os impiedosos provocadores do nosso coito interrompido. A partir do texto excedido, donde as palavras são censuradas, por desejo de expressar-nos, somos incitados a eliminar cada vocabulinho, por mais ínfimo que seja, e limpar nosso texto de qualquer espécie de ornato. Oras bolas, adeptos que somos das coruscantes pepitas dos bons vocábulos, nos sentimos profundamente ultrajados pela chicana deste faceiro artifício. Qual não foi nossa surpresa quando ao lermos um belo poema, na tentativa de coletivizar a maravilhótima experiência que a literapura nos proporciona e sempre nos proporcionará, fomos impedidos de publicá-lo em sua natureza íntegra por ter ultrapassado os quatrocentos e vinte caracteres, sem mais nem menos, sem nenhuma flexibilidade segundo o teor do conteúdo... Pestes! Malditos! Salafrários! Imerecedores da casca de amendoim jogada por nós aos macacos boçais!... A própria definição da poesia não pode ser entendida sem o primordial e imprescindível preceito de sua insubtralidade. Cada verso é o mais importante, precisa ser dito para o não comprometimento de seu total esplendor. Mas não, vêm uns grandes trogloditas e resolvem despachar chulas premissas para o dinamicíssimo funcionamento do site. Nem maníaco do parque, nem bandido da luz vermelha, nem soldado em trincheira nenhuma foi mais brutal e assassino do verbo que as redes sociais. Ora, forjar o engenho do livre discurso em cento e quarenta caracteres em prol da coesão, da concisão e da discriminação lexical, feito uma morsa condensadora de lixo, é um abuso que maior não houve - disse-nos certa vez um amigo marceneiro versado nas letras. Querem com isso manipular as vias do pensamento, o qual, dado o crescente encerramento da população em seus lares providos de computador e internet, é condicionado pelas redes sociais, assim os twiteiros são obrigados a resumirem o mundo em cento e quarenta caracteres para o bem de seus egos megalômanos. Isso não é justo!

O encurralamento da expressão em jaulinhas, curiosamente deu origem a um singular fenômeno lingüístico que até então antes não ousara desvelar-se: A totalização do exprimir-se polissêmico em quatro palavretas. Sejamos mais claros, atualmente difundiu-se o uso, apreciado e utilizado por muitos das insossas: bee, aloca, ahasou e bapho! Como se nós mesmos, e não os computadores, fossemos os contaminados por Spam’s. Interjeições, respostas, comentários, nada foge ao abarcar destas malditas. Vejam irmãos, donde beira a pachorra em tempos de jogadores de futebol usando moicano e Justin Bieber’s provocando taquicardia em três quartos do mundo pré-adolescente. Oi, tudo bem?! Beijos me liga.

Com o embrutecimento lexical, a linguagem retrocedeu a um estágio rudimentar, voltou a ser pedra, fria, disforme, por vezes, ilapidável. As mais novas entradas do dicionário subsidiam a carência da expressividade requerida pela insaciável tecnologia enquanto as coruscantes pepitas dos bons vocábulos sofrem o desprezo e o olvido das redes sociais e da linguagem aplacada pelo estritamente necessário. Até mesmo a literatura sofre com tal processo. Admitimos sim, e com toda certeza, que com o advento da pós-modernidade ela precisou recauchutar-se, vestir novas tendências baseadas em estações passadas. Sobretudo no que se refere às novas temáticas, ela de maneira muito interessante fintou os que proclamavam a extinção do romance, o fim do sujeito e todas as bulhufas que alguns nobres intelectuais disseram no auge de sua exaltação geniosa. Contudo, o eco das premissas solapadas pelo modernismo ainda se fazem escutar nas vísceras do estilismo literário. As marcas de um estilo original dissolvem-se no trato da prosa com que os mais notáveis escritores contemporâneos escrevem. A literatura, ainda que claudique, continua surpreendendo a muitos, mas os traços qualitativos que as predicam se encontram num processo migratório, ou seja, das vérgeis campinas expressivas para as ziguezagueantes coxilhas temáticas. Não somos afeitos ao desprezo das vírgulas, elas também são legais (não tão cool quanto as dores fractais em contrações involuntárias que turvam o já lusco-fusco subjetivismo do protagonista) e podem também serem usadas sem moderação para dar a cadência sincopada em determinado romance. Não necessariamente temos de compor em tempos e sentenças de mesma duração a fim de emular o tédio e a angústia que se apoderam do espírito contemporâneo, para isso já temos o embrutecimento lexical e as palavras em estado de dicionário, severamente trajadas com as camisas de força de suas acepções primeiras. As literaturas, assim como outras esferas da arte, inevitavelmente recebem as influências do progresso tecnológico, principalmente do mundo conectado em redes, assim sendo, obviamente inermes não sairão de tal processo; mas que fique bem claro que há medidas harmônicas em tudo, logo, devemos ter parcimônia, se a partir de alguns anos todos os que possuem alguma espécie de labor no trato das palavras receberem a influência desta carga virtual além da medida, tudo se transformará em hipertexto, micro-conto, mensagens criptografadas e sentenças de cento e quarenta ou quatrocentos e vinte caracteres tão ou mais concisas quanto os epigramas de Marcial; e nós, mestre sala e porta bandeira da verborragia, muito padeceremos de desditosa causa, e sofreremos muito, pois se já sofremos hoje amanhã não deverá ser diferente.

Por fim, que fique bem claro. Este tratado, meus caros, não foi escrito e destinado a prescrever feito bula nossa maneira de se expressar, e não tem, absolutamente, nenhuma aspiração à manifesto. Só estamos advertindo algo que pressentimos e nossas afirmações mais convincentes são apenas elucubrações juvenis, brejeiras. Portanto, tudo que aqui lhes agradarem não será por conseqüência uma bronca materna ao desprezo do chinelo e do abrigo, nem máximas morais que às vezes recebemos como forma de ofensa. Tudo que aqui lhes agradarem será apenas sugestão amistosa de quem gosta preza e ama os bons vocábulos, de quem se sente míope e tristonho ao ler contratos, e de quem sempre recorrerá às palavras afim de extrair o sumo lírico-jocoso tão mais saudável e saboroso que iogurte actívia!

Raton

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