quarta-feira, 8 de julho de 2009

o caso do jovem da província de T.



O relato a seguir não narra com precisão o exato fato tal como ocorrido naquela tarde de 1835, na província de T. Inadvertidamente, muito do que foi registrado advém de lembranças pessoais dos personagens então presentes na ocasião. O conjunto de arquivos ainda é vítima todas as minhas impressões que ficaram de outrora, coartada pelo fato de meu juízo ainda jovem, moldada pelas opiniões alheias dos adultos de minha época.

Mas vamos ao fato:

"Foi conhecida a história na província do jovem estrangeiro, de pais portadores de modos pouco ortodoxos, que chegara à pouco e já demonstrava sinais de falta de adaptação, desencaixe nos costumes da província em geral e enfim, sofria precocemente dum isolamento afetivo social. Ainda que considerados sintomas normais a um completo estranho em terras estrangeiras, notava-se um atraso em relação à sua sociabilidade, e assim, mesmo com o tempo, não se atenuou a taciturnidade de tal. O mesmo, tomando o caminho contrário da adaptação, isolava-se cada vez mais, e poucas vezes era visto em exercício de cidadania.

Por isso mesmo talvez tais relatos de tal época sejam tão apagados e tão imprecisos, denotando uma delgadeza prejudicial em seus detalhes.

Das últimas vezes que se viu o jovem em público foi ao acaso, sempre caminhando pelas voltas da hora do crepúsculo, e na maioria das ocasiões, fora dos limites da cidade, ora sozinho, ora acompanhado do pai. Mas o famigerado acontecimento, este diz respeito à sua derradeira aparição. Às mesmas horas do pôr-do-sol do dia tal, ouviu-se da sua casa - que não era simples, e talvez por isso mesmo fizesse reverberar o som, ecoando além do quarteirão - certo berreiro intempestivo, do jovem sozinho. Seguindo-se uma breve quietude. O jovem então, como que tomado além de seu controle, saiu às ruas dum carreirão, tinha os vasos pulsantes e suava muito. Ao final da rua, talvez pela saúde frágil - depois viemos a saber - talvez esgotado pela cólera, fazendo-se perder as forças e o ânimo, caiu. Sujou-se e machucou-se muito. Como que julgado pelo fito da vizinhança, seu pai, traçou seu caminho até o corpo do filho desfalecido, e arfante imputou-se em trazê-lo de volta ao lar.

Foi este fato que nos pôs, a todos nós, atentos à condição médica do garoto. Sabia-se que falava muito e desordenadamente. Também era capaz de atravessar dias sem alimento. Soube-se também que em sua minguância, em especial, nunca lhe faltou o afeto e a atenção diligente que provinha dos pais. E que a probabilidade da recíproca verdadeira também é grande, ainda que o filho fosse incapaz de comunicar-se com clareza. Sua crise veio, surpreendentemente, no alvorecer do dia tal. Durante a noite, urinara na cama, e finalmente, vítima dum sofrimento incessante e profundo, confessou-se esgotado pela dor e faleceu.

Foi lembrado com respeito e por muito tempo por sua feição sábia e seus traços fortes, que eram responsáveis por transmitir um caráter digno e cálido, inda que emudecesse por vezes, e não soubesse que tipo de inquietação pudesse se passar em seu interior."

Acabam aqui as poucas lembranças restantes do fato e da época.




Rogê

2 comentários:

  1. Proeza roge,vive se capaz,morre se vivo,de tudo que nao fica,a pior é a impossibilidade da transmissao das idéias,dos sentimentos,que vem,é certo,mas entala na glote.

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  2. Não querer dizer, não ter como dizer, não ter o que dizer, mas ter a necessidade de faze-lo... Ou não...

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